Justiça concede pedido de divórcio após a morte de um dos cônjuges; entenda

Marcos Filipe Aleixo no Portal InfoMoney

 10 • Junho • 2024

Notícias

9/06/2024

 

Justiça concede pedido de divórcio após a morte de um dos cônjuges; entenda

Decisão do STJ têm efeitos previdenciários e sobre herança

Anna França

A Quarta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu, nesta semana, que é possível decretar o divórcio na hipótese de falecimento de um dos cônjuges. O colegiado, por unanimidade, levou em consideração que, ainda em vida e no próprio processo, foi manifestada a anuência com o pedido de separação.

No caso julgado, um homem ajuizou ação de divórcio cumulada com partilha de bens com a esposa, a qual morreu durante a tramitação do processo. Ele, então, pediu a extinção do processo sem resolução do mérito. No entanto, o juízo de primeiro grau decidiu pela habilitação dos herdeiros no processo e julgou procedente o pedido de divórcio póstumo, decisão que foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Maranhão.

Ao STJ, o autor da ação alegou que o acórdão do TJMA violou uma série de dispositivos legais, uma vez que sua falecida esposa não tinha mais capacidade para ser parte no processo, o qual deveria ter sido extinto. Sustentou ainda que, como a ação envolvia 

Ao STJ, o autor da ação alegou que o acórdão do TJMA violou uma série de dispositivos legais, uma vez que sua falecida esposa não tinha mais capacidade para ser parte no processo, o qual deveria ter sido extinto. Sustentou ainda que, como a ação envolvia direito personalíssimo, a habilitação dos herdeiros não poderia ter sido deferida, pois isso só seria possível na hipótese de direitos transmissíveis, a habilitação dos herdeiros não poderia ter sido deferida, pois isso só seria possível na hipótese de direitos transmissíveisa habilitação dos herdeiros não poderia ter sido deferida, pois isso só seria possível na hipótese de direitos transmissíveis.

O relator do recurso no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, observou que, a partir da Emenda Constitucional 66/2010, o divórcio passou a ser um direito potestativo – ou formativo – dos cônjuges, cujo exercício decorre exclusivamente da vontade de um de seus titulares.

O ministro destacou que, no caso em análise, embora a esposa não tenha sido a autora da ação, ela manifestou claramente sua concordância com o pedido do marido e ainda requereu o julgamento antecipado do mérito quanto ao divórcio. O relator apontou que a sentença que dissolveria o vínculo matrimonial só não foi proferida enquanto a mulher ainda estava viva devido a “vicissitudes próprias dos processos judiciais”, mas o direito chegou a ser exercido tanto pelo autor, que iniciou a ação, quanto por parte da ré, que concordou com o divórcio.

“Cuida-se, em verdade, de reconhecer e validar a vontade do titular do direito mesmo após sua morte, conferindo especial atenção ao desejo de ver dissolvido o vínculo matrimonial. Aliás, o respeito à vontade da pessoa proclamada em vida tem norteado a jurisprudência desta corte em casos que envolvem matéria sucessória, e com muito mais razão deve orientar o olhar sobre questões de estado, cujo conteúdo alcança diretamente a dignidade do cônjuge”, afirmou.

Patrimônio de herdeiros podem ser afetado

Antonio Carlos Ferreira mencionou precedentes do STJ que reconheceram a legitimidade dos herdeiros para figurarem no polo passivo de ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato, pois o resultado do processo pode afetar o seu patrimônio, e também a possibilidade de dissolução póstuma da sociedade de fato (união estável).

“Assim, considerando a similitude entre as situações expostas nos julgados – legitimidade dos herdeiros e reconhecimento póstumo da dissolução da sociedade de fato – e o contexto fático ora em julgamento, não se pode conferir à questão solução diversa daquela que vem sendo reconhecida por esta corte”, afirmou, lembrando que “o reconhecimento do divórcio post mortem tem efeitos significativos em diversas searas, como a previdenciária”.

Para a advogada Laísa Santos, especialista em Direito de Família e Sucessões, o divórcio se trata de um direito potestativo, que se atribui ao cônjuge o poder de, mediante simples declaração de vontade, decidir modificar a situação jurídica existente. “Trata-se de um direito que se submete apenas à vontade do cônjuge, independentemente da vontade do outro. Desta forma, tendo um dos cônjuges se manifestado através do ajuizamento de divórcio, seja pela via consensual ou litigiosa, entendo correta a decisão de ter concedido o pedido de divórcio, mesmo após a morte de um dos cônjuges”

De a acordo com a advogada Ligia Bertaggia de Almeida Costa, especialista na área de Direito de Família e Sucessões, o direito ao divórcio é uma hipótese rara de direito absoluto. “No caso do divórcio post mortem, a jurisprudência vem se pautando positivamente para a concessão já há alguns anos, nos casos nos quais o ajuizamento da ação judicial e a manifestação inequívoca intenção por um dos cônjuges ocorreram antes do falecimento”, disse. Ligia alega que a fundamentação é baseada no respeito ao princípio da liberdade, da autonomia da vontade e da dignidade da pessoa, em especial, do cônjuge sobrevivente.

“Por reconhecer a importância do tema, o anteprojeto do Código Civil, em discussão no Senado, prevê expressamente no parágrafo 4º, inciso V, do artigo 1571, que o falecimento de um dos cônjuges ou de um dos conviventes, depois da propositura da ação de divórcio ou de dissolução da união estável, não enseja a extinção do processo, podendo os herdeiros prosseguir com a demanda, retroagindo os efeitos da sentença à data estabelecida na sentença como aquela do final do convívio”.

Conforme a especialista, o divórcio pós-falecimento dissolve o vínculo matrimonial entre as partes, “mas não são necessariamente os marcos da divisão patrimonial, uma vez que, para a partilha dos bens, será considerada e fixada a data da separação de fato, a qual, sim, rompe o regime de bens.”

Principais efeitos

Esses efeitos vão depender do tipo de regime de bens que regeu a relação. Pelo Código Civil atual, o tipo da dissolução do casamento (se por divórcio ou se por morte) o cônjuge é herdeiro de bens particulares, em concorrência com descendentes ou ascendentes. Além disso, outros efeitos são importantes, como por exemplo, a questão do estado civil de cada cônjuge, de modo que, com o decreto do divórcio, o estado civil do cônjuge falecido e do sobrevivente será divorciado, enquanto, com a morte, o estado civil é de “viúvo(a)”. Além disso, tem implicações sobre recebimento de pensões deixadas pelos falecidos.

O impacto dessa alteração legal é importante para todos os envolvidos, pois deixará de ser um entendimento apenas jurisprudencial, pois estabelecerá claramente a hipótese na qual o divórcio poderá ser decretado, mesmo após o falecimento de uma das partes.

Até que a morte nos separe

Segundo o advogado Marcos Filipe Araújo, especialista em direito cível do Peixoto & Cury Advogados, a decisão é uma evolução significativa no Direito de Família Brasileiro. Esse entendimento valoriza a vontade expressa pelos cônjuges em vida e assegura que ela seja respeitada postumamente. “O ‘até que a morte nos separe’ ficou no passado. A decisão reforça, ainda, a importância da dignidade e da autonomia individual, mostrando-se alinhada com a modernização das normas jurídicas, como previsto pela Emenda Constitucional 66/2010. É um passo à frente na proteção dos direitos individuais e da declaração de vontade do titular, mesmo após a sua morte”, disse.

Para a advogada Anna Carolina Dias Esteves, da área cível e resolução de conflitos da Innocenti Advogados, ao reconhecer a legitimidade dos herdeiros para participar do processo, a decisão também protege os interesses patrimoniais e respeita os direitos dos envolvidos. “Essa abordagem demonstra a sensibilidade do tribunal em considerar as nuances dos direitos personalíssimos e a importância de honrar a vontade manifestada em vida, estabelecendo um importante precedente para casos futuros”.

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